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VIVER PELO CONTROLE SOCIAL

Depois de 10 anos no exercício da advocacia, posso afirmar que estive (e estou) comprometido com três importantes meios para o exercício do controle social: a religião, a educação e o direito. Algumas observações sobre o assunto merecem algum vagar, do ponto de vista de que o exercício do controle social deveria favorecer o Estado na sua tarefa de construir o espaço público, a realização da vontade coletiva (que não é o mesmo que satisfação de desejos das pessoas) ou, na visão de Rosseau, a forma de concretizar o contrato social.

Porém, em qualquer destes espaços o que se vê e o que se pratica é algo bastante contraditório, aliás como todo o espaço público hoje; mais, tudo o que diz respeito ao Estado, desde a sua origem é contraditório. Se defendeu, no seu nascedouro, o controle pelo Estado das liberdades individuais para possibilitar a vida comum, sempre detestaram a interferência do Estado nas iniciativas privadas.

Assim, mesmo que se considere a ideia da pactuação e do consenso propostos pelos filiados à teoria de Habermas, não há como negar que pactos e consensos no capitalismo moderno, padecem do vício de serem quase sempre, ao final, cooptados pelo interesse econômico. Acabam sucumbindo à máxima de que “sem dinheiro não há consenso”.

É então tentadora a conclusão com Althusser de que o exercício do controle social pelo Estado tem um único objetivo: prestar-se ao aparelhamento repressivo da dominação burguesa. Estas e outras tantas instituições do Estado moderno estariam em articulação apenas para promover a acomodação da consciência e do comportamento a um determinado padrão que coopere com os interesses do capitalismo.

Confesso que à medida que o tempo e a idade passam e formam minha experiência é cada vez mais difícil encontrar uma saída coerente para o dilema, que se resume, no final das contas, no grande problema do sentido da vida hoje. Olho para os movimentos sociais dos últimos anos e vejo o tamanho da dificuldade em harmonizar a vontade coletiva com a vontade individual. As instituições (todas elas) refletem esse grande problema da sociedade humana.

 

Todas aquelas grandes áreas da experiência humana já foram, em algum momento, balizadas pela construção do coletivo. A Religião já foi o lugar da salvação da humanidade, já foi o lugar do Deus do povo; hoje não é mais. Não apenas a salvação se tornou apropriável pelo indivíduo, como o próprio Deus. Diz-se que “Deus está em mim!” com tamanha naturalidade que às vezes fico em dúvida sobre quantos deuses existirão! Vivemos mesmo um cristianismo monoteísta?

Na educação o “nó” também existe. Desde quando o conhecimento se tornou passível da apropriação pela pessoa, perdeu aquela necessária universalidade resultado de grandes debates acadêmicos. Além disso, a razão do conhecimento perdeu a centralidade no mundo natural ou no ser humano, para se tornar uma abstração chamada racionalidade. As áreas do conhecimento se fragmentaram a um tal ponto que já é difícil estabelecer relações entre elas. Que dirá formar o objeto completo, no seu todo, como causa do conhecer. Tome-se como exemplo, o corpo humano. Hoje, assistindo a um telejornal verifiquei uma matéria que tratava da vacina da gripe. Fiquei pensando: o corpo não pode mais dar-se ao direito de gripar!!!! Por quê? Não pode mas adoecer por nada!!! Por quê? E uma provável resposta me surgiu evidente. Claro, imagine deitar com uma gripe por três, quatro, cinco dias até a melhora com o descanso?!! Impensável para o mundo do trabalho! Pior; contaminar progressivamente mais um tanto de gente!

Finalmente, refletir sobre o Direito é essa contradição entre as necessidades coletivas e as particulares é tarefa complicada. Principalmente, penso eu, porque o Direito moderno surja exatamente da construção da individualidade e para lhe favorecer a existência. É claro, dirão alguns, que a lei guarda ainda aquele viés da generalidade, de servir para todos indiscriminadamente. Mas, cá pra nós, na prática sua aplicação tem destino certo. Sua racionalidade é que é indiscriminada, como para servir a uma neutralidade impossível. Diz-se que depois de formada no Poder Legislativo e homologada, a lei alça vôo próprio, ganhando autonomia pelas mãos dos juízes que passam a aplicá-la sem a rubrica de quem a criou. Ideia tão complexa e absurda  

 

 

quanto, na Religião, tentar fazer um leigo entender a santa trindade.

E então, com essas particularidades só encontradas na sociedade complexa em que vivemos, o controle social é apregoado pelo controle do indivíduo. Se anteriormente a moralidade cumpria esse papel, hoje em qualquer Religião, Escola, ou Comarca, o que se pratica, por aqueles que estão envolvidos nestes afazeres é: o exercício do controle social. Há uma racionalidade tão cômoda nisso que me fez lembrar aquele gerente do transporte ferroviário da Alemanha nazista, tão bem ilustrado no filme “AMÉN”, dirigido por costa Gravas. Não importava ao gerente o que os trens transportavam, já que a tarefa que assumira era de manter os trens dentro dos seus horários, sem atrasos. Sua omissão se justificava num funcionalismo comodamente neutro.

Não creio que no curto prazo nossa sociedade humana consiga se propor algo diferente. A engrenagem em que cada parte se põe, cria um pseudo sentido para os que-fazeres. Agimos particularmente para que algo vá bem, e acreditamos nisso. Depositamos nossas fichas em alguma certeza (que não temos!) superior de que o que organiza a vida particular é a funcionalidade dessa vida dentro do coletivo. E a contradição surge: vivo para continuar construindo a minha individualidade na esperança de que as Instituições Sociais consigam equalizar o reflexo disso no que é comum. Ou seja, emprestamos nossa possibilidade de construir o que nos une para a finalidade do controle social.

De forma alguma essa reflexão deve ser considerada lamento, negativismo ou desaguar numa depressão individual ou coletiva. Antes disso, compreender que as relações sociais baseadas na satisfação dos desejos (de consumo, de posse, de exercício de direitos, de exercício de poder) criam a necessidade do controle social da forma como posto hoje. Nossos recentes protestos, de esquerda ou de direita, nenhum deles tocou no “xis” da questão. É possível imaginar um outro modo de produção? Um outro modo de estabelecermos a relação do ser humano com o mundo que o circunda? O sistema de mercado é o ponto final de nossa vida econômica?

 

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